A poética morfossintática do nome da minha mãe: uma crônica



"[...] dá para escutar, as vozes dos homens e das mulheres cantando as glórias do Senhor...: são dias que passam, que vão e vêm e vão e vêm... são tantos dias que vão e vêm e vêm e vão... que nem se sabe mais ao certo se vêm ou se vão, se o Tempo estacionou ou continua: nome da mulher única que amei na minha vida era Glorisa:"

- Ricardo Guilherme Dicke -

Seu nome é Gloriza!

    No momento em que escrevo este texto, ela pertence à classe gramatical "mãe" (estamos no Dia das Mães).

"Mãe". Função na frase: sujeita (de várias espécies) que gera, pare e habita a Terra.

    Minha mãe e eu somos marcadas por nomes de registro "estranhos", usando do adjetivo que mais ouço dos outros civis (considerando, como "não estranhos", os nomes mais comuns entre os brasileiros). O meu nome é um tanto mais estranho que o dela: "Iouchabel Sarratchara"! Nome composto! 

(Na verdade é "triposto", mas deixemos este assunto pra um outro encontro).

    Muitas vezes me pego pensando na experiência de ser chamada de "Iouchabel" – nas palavras que herdei de minha mãe: “o nome mais lindo do mundo” – e me é sempre uma chancela: meu nome foi o melhor presente que minha mãe me deu (melhor que minha vida)! 

(Tenho muitas e longas histórias sobre o meu nome que também deixaremos pra outros encontros)

Eu amo meu nome como eu amo minha mãe!

Desconfio que seja porque ele é tão dela quanto meu.

    Ele foi teórica e metodologicamente pensado. Tem introdução, desenvolvimento e conclusão; tese, antítese e síntese; é dialético e dialógico; propedêutico e epistemológico; hermenêutico e fenomenológico. Dissertação idealizada, desenvolvida e assinada por Gloriza.

    Gloriza pariu duas criaturas, estranhíssimas ambas, meu irmão - Pethrus - e eu - Iouchabel. 

    Gloriza é enfermeira. Gera, por ofício, em outros úteros, pare por outras barrigas e nomeou muitas outras crias de muitas outras mães. Muitas dessas outras mães disseram: "Gloriza, coloque um nome no meu filho! Você é tão “boa de nome”! Teus filhos têm uns nomes tão bonitos!" Envaidecida, ela nomeia com prazer e, muito orgulhosa desse singelo gesto, sempre compartilha: "Esse é o Lucas Gabriel! Fui eu que botei (em nordestinês) o nome!" 

    E assim ela faz, com uma facilidade tremenda. Pedem e os nomes parecem brotar de sua língua, tão natural quanto um sopro. E os verbos se fazem carne e habitam a Terra! 

    E os nomes que Gloriza bota se instituem sem questionamentos. Confesso que, por vezes, cheguei a criticar (em pensamento, lógico...) certos nomes. Mas, parece que, em algumas situações, é uma questão de honra: Foi a Gloriza que botou esse nome e acabou! Assunto encerrado! Menino registrado!

    É muito engraçado porque as crianças "combinam" com os nomes (mesmo aqueles que, em pensamento, lógico, eu critiquei). São muitas histórias de nomes nos muitos anos de vida e de enfermagem de minha mãe Gloriza. Tem até história de nome roubado: "Botou o nome na menina, mas esse nome fui eu que disse em outra conversa pra outra pessoa." - Gloriza insiste, geminianamente indignada. 

    Nossos nomes, do meu irmão e o meu, foram muito previamente catalogados, gerados e nutridos muito antes de nós dois, nasceram antes de nós dois, nas conversas infanto-juvenis de "como vai ser os nomes dos seus filhos?", previsão do nobre dom de Gloriza de nomear. Por isso, meu nome é tanto dela quanto meu, estou com ela em nome por uma existência além da minha carne, sendo morfossintaticamente elaborada. 

    Neste Dia das Mães (que não pude passar com ela devido à pandemia, caso você esteja lendo este texto no pós-vacina), me peguei pensando no nome de minha mãe: Gloriza! Belíssimo nome que uma Maria, minha avó, registrou (minha avó também foi muito "boa de nome", outras boas histórias para eternizar essa idiossincrasia - talvez - orgânica, genética).

    Eu, aspirante à desencoscoradora de palavra, fiz o que parece ser do meu ofício de vida: estudei a palavra “Gloriza”. Estudei na base técnica: etimológica e gramaticalmente, em Língua Portuguesa, sem os “sentidos do nome” que circulam por aí.

Segue a análise:

    Podemos entender que a palavra “Gloriza” é uma junção por aglutinação da raiz glorǐa – latim pra “glória” – mais o sufixo “izar”. Na origem da palavra, “glória” significa “bem-aventurança, renome, esplendor, grande mérito”; o sufixo “izar”, na Língua Portuguesa, é uma partícula que documenta verbos factitivos, isto é, verbos que envolvem a ideia de “fazer” ou “causar”. *

    Na gramática, “Gloriza” seria, portanto, a terceira pessoa do presente do indicativo do verbo “Glorizar”:

“Glorizar vi, vtd  'ato de causar bem-aventurança' 'causar renome' 'causar esplendor' 'causar grande mérito'. < Ela Gloriza!>”

Essa é morfossintaxe do nome da minha mãe. 

Do nome e do ser!

    A mulher mais generosa que conheço, carrega no nome o verbo, a ação do fazer. Ela age. Ela causa a vida, dando nome (como ela passou a sua vida inteira fazendo com os filhos dela e de outras mães), dando identidade, dando registro de existência e dignidade para as vidas humanas (e não humanas!) que cruzam seu caminho.

Ela é mãe - sujeita da ação da oração - no nome de registro!

Seu nome explica um pouco da gigante mulher do fazer que ela é!

    Neste Dia das Mães tão difícil pra você, Gloriza - minha mãe - pra mim e pra muitos outros (mães que estão apenas com os nomes, sem os filhos; filhos que estão apenas com os nomes, sem as mães), te dedico a conjugação do teu verbo no presente do indicativo pra nos lembrarmos - em cada exemplo piegas - da ação de amar:

Eu Glorizo!

Exemplo na frase: “Eu Glorizo os nomes mais lindos do mundo!”

Tu Glorizas!

Exemplo na frase: “Sinto o teu entusiasmo (presença de um deus) sempre que tu Glorizas!”

Ela Gloriza!

Exemplo na frase: “Eu esplandeço sempre que ela Gloriza!”

(Esta forma também é usada como substantivo, nome que se dá pra melhor mãe do mundo, no caso, a minha!)

Nós Glorizamos!

Exemplo na frase: “Nós Glorizamos a partir de ações!”

Vós Glorizais!

Exemplo na frase: “Glorizai-vos nas graças da bem-aventurança.”

Eles Glorizam!

Exemplo da frase: “A vida começa quando os seres da natureza Glorizam!”

 
“Glorizar”, no infinitivo, pra que teu nome e tua ação sejam eternos e você também!

Englorizada,
Iouchabel Falcão,
09 de maio de 2021.

Glorizemos todos!

 *O dicionário que sempre me acompanha e que elucidou as técnicas descritas no texto é meu bom e velho Dicionário etimológico da Língua Portuguesa, de Antônio G. da Cunha (Lexikon, 2010).

Este texto nasceu de uma cartinha de Dia das Mães que foi um dos presentes possíveis que pude dar a ela no período pandêmico. Modifiquei pra compartilhá-la e eternizá-la em palavras pra todos que necessitem - como eu - "Glorizar" na vida.

                                 Peço perdão por qualquer desvio ortográfico que possa te incomodar.

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