Em estado poético de leitura


"Se organizar direito, todo mundo chora. [...] Nem todo mundo chora."
- Letrux - 

    Fiz as pazes com o Spinoza graças a uma experiência rizomática que este lugar no tempo onde estamos tem nos proporcionado: o fenômeno do "encontro à distância"!
    Tudo é experiência.
    A totalidade da experiência na vida é  - talvez e/ou quase - tão exata quanto a totalidade da morte.
    A vida chega pelo umbigo e, a partir daí, tudo é experiência. 
    E toda experiência é um encontro.
(Chego neste lugar da escrita e percebo que hoje estou de períodos curtos.)
    E de repente estou aqui, ressignificando encontros...
    E de repente percebo que, durante a minha existência de linguagem, o tato era o principal sentido da palavra "encontro".
    E de repente percebo que encontro está em mim mais como um substantivo que como um verbo: eu nomeio mais que ajo.

É... não sou bicho de ação.

    "Encontrar", enquanto ato, requer o "defrontar", o "deparar", diz o dicionário*. Talvez daqui venha, em mim, a imagem do encontro como tato, como toque.
    E hoje, 2021, Brasil, existe, pra mim, o "fenômeno" do "encontro à distância".
    É fenomenal, pra mim, encontrar sem tocar. E isso é, no mínimo, risível!
    Estou percebendo que existe o encontro com o olho. "Com" o olho! A projeção semântica (não gosto de agregar "valor" a conectivo) da preposição "com" é, neste contexto, de instrumento e de companhia. 
    E de repente o sujeito do verbo "encontrar" é o olho: O olho encontra!
    Eu sei, é muito óbvio! É aquilo que, de tão óbvio, olhamos mas não enxergarmos, quando estamos defronte as cataratas nebulosas do comum, do rotineiro.
    Estamos desenvolvendo técnicas, outros mecanismos de encontros em tempos de encontros [em]possíveis, porque a vida é experiência e a raiz da experiência é o encontro.
Abro parênteses: 
(E é aí que a imagem filosófica do rizoma é interessante: uma linha que me traça/que eu traço/que é traçada, onde tudo passou/passa/passará/fica/transforma-se/destrói/constrói/reconstrói. Tudo afeta! Não ouso detalhar. Fiz as pazes com Spinoza, mas acabei de conhecer Deleuze e Guattari. Então, por enquanto, o único conhecimento que tenho é o que sinto.)

    Se estou encontrando com os olhos, estou em constante estado poético de leitura. Crio enquanto olho as criações. Sou enquanto olho o que sou.

Fiz as pazes com o Spinoza, mas precisei de ajuda. Encontrei com os olhos uma galera que me traçou - entrei no rizoma - e me embelezou as vistas, e me senti ainda mais impulsionada nos caminhos dos encontros quando a poeta Larissa Moraes - membro da galera -, ao rodar a chave de sua fala cíclica, juntou a poesia artística com a poesia do encontro comum neste poema:
GRITO-POESIA**
pensar uma nova política
para o corpo
é também pensar
na escrita-líquida
escrita-rio
escritas estas
de palavras que se esvaem
de sentido fixo
queremos palavra-rio
palavras que não se molham
no mesmo sentido
duas vezes
e por que não gritar com os olhos?
e por que não pensar com os pés?
se é na poesia
que meus olhos
não só são olhos que veem
mas olhos que gritam
eu, por exemplo, grito poesia com os olhos
e também choro
choro palavras
as palavras que caem dos meus olhos
são poemas em estado de lágrima.
    Cada verso do poema é um grito que olho e esse olhar chama meu corpo e meu corpo pensa e o meu pensamento escreve e a escrita do meu pensamento grafa rios e os rios me lavam os sentidos e meus sentidos são outros sentidos e outras coisas muitas e muitas vezes...

    E, desde aquele agora, percebi que meu olho ouve, cheira, toca, tem paladar.

    Os versos do poema de Larissa, de repente, traduziram um afeto que, até então, eu não olhava: meu olho grita. O grito é a ferramenta do encontro com os olhos. O grito é o vocativo do olho: chama em silêncio.
    Nessa tradução líquida, de olhos molhados, meu ser olhante anda me gritando: Olhe! Olhe fora do sentido da visão!
    Na tradução sólida, o gesto do ler é minha linha. O poético vai vasculhando a forma do grito do olho pra molhar sentidos do mundo com lágrimas e vozes-correntezas. Nada fixo, nada limitado.

   Rizomemo-nos todos num estado poético de leitura do mundo!

Meu grito de olho encontrando o timbre do teu nariz, a língua de teus pés encontrando o brilho de outros umbigos, e sigamos nas linhas da existência.
Tudo é experiência...

Esvaída de sentido fixo:
Iouchabel Falcão.
18 de abril de 2021.

*O dicionário que me explicou o verbo "encontrar" é o Dicionário etimológico da Língua Portuguesa, de Antônio G. da Cunha (Lexikon, 2010, p. 244).

**Agradeço imensamente à gentileza, carinho e atenção da poeta Larissa Moraes, que prontamente me enviou seu poema que fora antes lido (de onde me afetou) numa aula ministrada por ela e outra galera massa sobre Spinoza, Deleuze e a filosofia da imanência, promovida pelo Grupo LEFA - Laboratório de Estética e Filosofia da Arte. Até o momento da escrita de minhas reflexões, o poema "GRITO-POESIA" estava no prelo.

Peço perdão por qualquer desvio ortográfico que possa te incomodar.

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